3.5.10

"Lilian M, relatório confidencial" sairá em DVD

"Lilian M, relatório confidencial" (1975) é o segundo longa-metragem de Carlos Reichenbach. Depois de dirigir "Corrida em busca do amor" (1972), o cineasta passou a trabalhar exclusivamente com filmes publicitários durante três anos, seguindo conselhos familiares de que deveria se dedicar a um negócio rentável. "Foi um período horroroso, pois eu fazia algo que não gostava, convivia com gente que eu não queria conviver. O lado bom disso foi o aprendizado técnico. Quando comecei a ganhar prêmios publicitários, eu vi que era a hora de ir embora", afirmou o cineasta em encontro com o público da 2ª edição da mostra "Clássicos & raros do nosso cinema", após a exibição de "Lilian M." no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) na noite da última quarta-feira. Carlão também anunciou que "Lilian M" sairá em DVD brevemente.

"Lilian M" conta a história de Maria, que depois vira a Lilian do título. Maria (Célia Olga Benvenutti) é uma mulher entediada com a vida no campo. Sua rotina é levar o almoço para o marido José (Caçador Guerreiro), quando ele está cuidando da plantação de chuchu no sítio arrendado pela família, e acompanhar um dos dois filhos até metade do caminho para a escola. À noite, Maria sempre permanece quieta e estática enquanto José faz amor com ela. Sua vida vai sofrer uma grande mudança quando um caixeiro-viajante (Walter Marins) aparece no sítio em busca de água e comida, após percorrer vários quilômetros a pé depois que seu carro sofre um problema mecânico. O caixeiro, um sujeito galhofeiro, seduz a dona de casa entendiada e a convence a partir dali com ele em direção a São Paulo.

No meio da viagem, o carro ocupado pelo casal se envolve em um acidente com um caminhão e apenas Maria sobrevive. Ela parte para a capital paulista, mas vai parar na prisão porque está sem documentos. Uma assistente social promete ajudá-la e consegue para ela um emprego de doméstica na casa do industrial Braga (Benjamin Cattan). Patrão e empregada começam a ter um caso, levando Braga a comprar um apartamento para Maria, onde os dois possam se encontrar com privacidade. Num desses encontros, após Braga comentar que o nome da doméstica é simples, Maria pergunta qual é o nome da mãe do industrial. Após saber que é Lilian, Maria adota o nome, mesmo a contragosto de Braga.

O relacionamento do casal começa a ser ameaçado por Fausto (Washington Lasmar), bailarino com tendências suicidas que é filho de Braga. Uma nova tragédia dá uma guinada na vida de Lilian. Agora ela está trabalhando como massagista e começa a se relacionar com outro industrial, dessa vez um de seus clientes. Hartman (Edward Freund) é um homem neurótico, cujo passatempo é dar tiros com as armas de sua coleção e criar aparelhos de tortura. Ele usa seus aparatos para torturar Lilian, que recebe quantias volumosas para fazer o papel de masoquista em sessões de choques elétricos. Com o dinheiro desses encontros, Lilian compra um terreno do grileiro Vivaldo Lobo (Wilson Ribeiro), outro de seus clientes da casa de massagem.

Após ser enganada pelo grileiro, mesmo após contratar os serviços do detetive Shell Scorpio (José Júlio Spiewak), Lilian vê sua vida mudar radicalmente mais uma vez. Ela começa a namorar com o assaltante Chico (Lee Bujyja), que, prevendo que seus dias estão contados por causa da tuberculose, a entrega aos cuidados da cafetina Maria Antonieta (Thereza Bianchi). No bordel da xará, Maria conhece o funcionário público Gonçalves (Sérgio Hingst), que tem o costume de tomar prostitutas como esposas. Lilian vai morar com Gonçalves, mas terá que conviver também com a irmã dele, a sorumbática Lucivalda (Maracy Mello). Lilian começa a achar sua rotina enfadonha, pois Gonçalves quer que ela permaneça em casa, e decide deixar a cidade para rever a família que abandonara no campo.

Leia uma análise de "Lilian M" aqui.

A seguir trechos do bate-papo de Carlão após a exibição de "Lilian M" no CCBB:

Filme caseiro
Esse foi o meu filme mais caseiro. Só faltou eu botar a cara. De certa maneira botei, pois aparece uma cena minha em "Corrida em busca do Amor" (na sequência em que Lilian e o industrial Braga estão assistindo o primeiro longa de Carlão num cinema). Eu produzi, escrevi, dirigi. Até a câmera é minha. A trilha sonora também. Toquei os discos de 78 rotações que herdei do meu pai e do meu avô. São músicas que eu cresci ouvindo.

Independência econômica
Eu decidi fazer um filme que eu gostaria de assistir. Usei a estrutura da empresa de publicidade da qual eu era sócio. O filme foi feito dentro da Jota Filmes durante o meu tempo livre, usando a sucata do estúdio para construir cenários. (...) Tinha independência econômica, pois eu só tinha que responder a mim mesmo. Quando eu dirigi "O Império do Desejo", o produtor queria saber toda hora se eu tinha filmado mulher pelada.

"Nosso cinema está careta hoje"
(Depois de rever "Lilian M" em cópia restaurada), vejo como o nosso cinema está careta hoje, perdeu a coragem de ousar. Na época, tinha um enfrentamento com a censura, um embate com o cinema oficial e acadêmico. (Em "Lilian M"), quis fazer uma mistura de escolas: tem cinema B, cinema narrativo e cinema japonês. Uma das referências foi (o trabalho do cineasta japonês) Shohei Imamura, especialmente "Mulher Inseto".

Tortura
Eu pensei que a censura ia cair em cima das cenas de tortura. O industrial alemão era uma referência ao Boilesen. Mas a censura não entendeu, ainda bem. O que não desceu pela garganta da censura foi a questão da família.

Lançamento em DVD
"Lilian M" vai ser lançado pela Heco/Lume em julho. O DVD trará vários extras, como uma entrevista de duas horas comigo, que poderia se chamar "Carlos Reichenbach: arquivo confidencial" (risos). (Em seu blog, Carlão informa que outro extra é o curta-metragem inédito "O m da minha mão" (1980), dele e de Jairo Ferreira)

Cena de impacto
Eu tinha 18, 19 anos quando vi no cinema a cena que causou mais impacto em minha vida. Foi em um filme de educação sexual. Aparecia um cara pelado de frente com cancro. A mão de um médico entrava em cena com um bastão dourado incandescente e enfiava na uretra do sujeito. Para mim, a cena de maior impacto do cinema brasileiro está no filme "Sexo & vida". Você quase caía da cadeira (ao ver a cena). Nem Brian de Palma conseguia esse efeito. Depois de mais de 40 anos, descobri que foi meu amigo Rubens Regino quem produziu esse filme quase escondido. Ele viajava o Brasil de Norte a Sul exibindo esse filme. Lotava os cinemas. Hoje é impossível encontrar esse filme.

Em 25 de novembro de 2009, Carlos Reichenbach escreveu em seu blog Olhos Livres um post sobre "Sexo & Vida". Mondo Cane reproduz o texto de Carlão abaixo:

SEXO & VIDA (Henrique Meyer - 1959)
Vi esse "clássico" num cinema da rua Conselheiro Nébias, atraido por um cartaz tosco mas com uma mulher exuberante seminua desenhada por algum cover de Carlos Zéfiro. O filme, que foi liberado e imediatamente interditado pela Censura Federal, foi um dos primeiros documentários de "utilidade pública" produzidos no país. Além de "ensinar" a moçada a arte do prazer, apresentava detalhes acurados das genitálias masculinas e femininas. Lá pelas tantas, quando a rapaziada estava vivamente entusiasmada com as formas generosas das moças desinibidas do documentário: corte sêco para o close de um pênis em estado de repouco. A mão enluvada de branco de um médico entrava em cena, levantava, apertava e apresentava a cabeça do marçapo para a lente, e empurrando o prepúcio para trás, fazia escorrer o pús gonorréico do orifício infeccionado. Na sequência, a mão enluvada introduzia um bastão dourado incandescente no orifício do pênis. Juro que ouvi gente gritando na platéia.
Venhamos e convenhamos, é muito difícil esquecer uma cena destas. Grito como aquele eu só ouvi no cine Iguatemi, anos e anos depois, no final de CARRIE, A ESTRANHA. 40 e tantos anos depois descubro que foi meu amigo Rubens Regino quem produziu o filme e ganhou uma fortuna viajando com as quatro latas de seiscentos metros - debaixo do braço - pelo Brasil afora, exibindo as duas únicas cópias em 35 milímetros existentes, em sessões especiais só para homens, às onze horas da noite. Os suecos e dinamarqueses ficaram famosos por seus "documentários pedagógicos". Aqui no Brasil, SEXO & VIDA me parece um dos casos únicos e pioneiros. Um autêntico filme de "vanguarda", que mereceria ser urgentemente restaurado. Regino contou para mim e Eugênio Puppo que seria impossível recuparar o filme, já que os seus negativos desapareceram, assim que o filme foi interditado para "todo território nacional".

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